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Certidão de Regularidade Fiscal na Recuperação Judicial

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Certidão de Regularidade Fiscal na Recuperação Judicial

Publicado em:   28 de abril de 2022

Categorias:   Artigos

No processo de recuperação judicial, empresas que enfrentam severas dificuldades financeiras que comprometam a manutenção de suas atividades, sobretudo em relação ao pagamento dos seus credores, podem se utilizar das vantagens legais estabelecidas na lei 11.101/05 para renegociem dívidas acumuladas, reestruturar o negócio e evitar a temida falência, que culminará com a liquidação de todos os seus bens para pagamento do máximo de credores possíveis.

Dentre tantas dificuldades enfrentadas pelas empresas em recuperação judicial, uma das mais amargas durante o curso do processo é a necessidade de cumprir o requisito esculpido no art. 57 da LREF, que é a apresentação das certidões de regularidade fiscal.

Não obstante a exigência legal, na maioria dos casos a exigência acaba por inviabilizar totalmente a recuperação da empresa e a efetividade do principal objetivo da própria lei de recuperação judicial e falência, que é o soerguimento da empresa com a manutenção dos postos de trabalho e, ao final, o pagamento de todos os credores.

Mesmo após o advento da lei 11.101/2005 – LREF, o judiciário, entendendo que a efetividade do processo de recuperação judicial não seria alcançado caso mantida a exigência da regularidade fiscal, acabou por proferir decisões concedendo o direito às empresas em seguir com o plano de recuperação judicial sem a obrigatoriedade da apresentação das certidões de regularidade fiscal, ao arrepio da legislação e, por óbvio, contrariando as Procuradorias da União, Estados e Municípios, que não participam do processo de recuperação judicial, e acabam assistindo de longe o esvaziamento dos bens do devedor para pagamento dos credores privados em detrimento do crédito público/tributário.

Importante entender que o crédito tributário não se submete a concurso de credores ou habilitação em falência ou recuperação judicial, de acordo com disposto no art. 187 do Código Tributário Nacional e, por conseguinte, possui sua própria forma de cobrança por meio da aplicação do procedimento previsto na lei 6830/80 – LEF.

Nesse cenário, na prática, há um enorme entrave jurídico, haja vista que o inciso II do art. 6º da lei 11.101/2005 determina a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor em recuperação judicial, sem referência ao tipo de crédito (público ou privado), causando intenso debate jurídico acerca da efetividade da exigência da regularidade fiscal, sobretudo após a edição do §7º-B do art. 6º da LREF, (incluído pela lei 14.112/20, que trouxe importantes alterações na lei 11.101/05) que previu expressamente que as execuções fiscais em curso não se suspendem durante o processo de recuperação judicial, ao contrário das demais execuções previstas no inciso II do mesmo art. 6º.

Ainda assim, ao contrário do que parece, o judiciário não vinha tentando afastar a legalidade do art. 57 da lei 11.101/2005 ao autorizar o prosseguimento da recuperação judicial sem a necessidade de apresentação das certidões de regularidade fiscal. Na verdade, a construção jurisprudencial se deu pela análise do princípio da proporcionalidade, já que a exigência legal se mostrava inadequada em relação ao sistema da recuperação judicial e, ainda, em razão da inércia do legislativo em dar efetividade ao disposto no art. 68 da 11.101/2005 – LREF, onde está prevista a possibilidade de edição de lei específica para parcelamento dos créditos tributários em sede de recuperação judicial, medida que tornaria eficaz o art. 57 que exige a apresentação das certidões fiscais, não obstante a previsão esculpida no §4º do art. 155-A do CTN, que já previa a aplicação de leis gerais de parcelamento.

Não à toa, em razão de tanta polêmica foi que o STJ resolveu pela afetação dos REsp 1.694.261/SP e 1.694.316/SP à sistemática de julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, fixado no Tema 987, sob a temática da “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal de dívida tributária e não tributária”. Com isso, todos dos processos que analisavam essa controvérsia ficaram suspensos por um bom tempo, causando grande dor de cabeça para as partes envolvidas, principalmente às Fazendas Públicas.

Pois bem! Após tanta polêmica, foi editada a lei 14.112/2020, que trouxe grandes alterações na lei de recuperação e falências – lei 11.101/2005, dentre elas o já aqui citado §7º-B do art. 6º, que manteve em seu texto a disposição de que a suspensão das execuções previstas no inciso I do art. 6º não se aplicam às execuções fiscais. No mesmo dispositivo, houve inovação, no sentido de ser o juízo da recuperação judicial aquele competente para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, atos estes que deverão ser tomados em cooperação com os juízos das execuções fiscais, em harmonia com o art. 6º do CPC, reduzindo, assim, a discussão sobre o tema sob este enfoque.

Outro aspecto de grande importância nesse contexto, e que denota um enorme avanço nas relações entre as Fazendas Públicas e seus créditos nos processos de recuperação judicial, pelo menos na esfera Federal, foi a regulamentação do parcelamento previsto no art. 68 da LREF por meio da edição da lei 13.988/2020, que introduziu a transação tributária de créditos inscritos em dívida ativa da União, especificamente no que se refere às empresas em recuperação judicial, que ganharam benefícios próprios para equalizar seus créditos com a União, sobretudo em razão da possibilidade de redução muito significativa dos débitos que tanto impedem a sua regularidade fiscal, especialmente em razão da edição da Portaria PGFN 9.917/2020.

O principal aspecto que se pretende aqui mostrar é a grande evolução da legislação tributária no sentido de tentar solucionar a falta de participação do Ente Público no processo de recuperação judicial e que acabava por prejudicar todo o processo em si.

Isto porque, de um lado, apesar das recuperandas acabarem tendo decisões judiciais autorizando o prosseguimento do processo de recuperação judicial sem a apresentação das certidões de regularidade fiscal, fato é que acaba por ser aprovado um plano de recuperação que desconsidera em absoluto os créditos tributários que na grande maioria das vezes é a maior divida da empresa, o que não corresponde, na prática, ao soerguimento saudável sustentável da empresa, haja vista ficar pendente a regularização de todo o passivo tributário.

Por outro lado, os avanços que se apresentam são relevantes por proporcionar a equalização de todo o passivo da empresa em recuperação judicial, oferecendo formas de parcelamento com deságios de até 70%, muito maior do que os deságios praticados na recuperação judicial com os credores privados e, por solucionar, ou pelo menos por iniciar a solução, de uma grande lacuna da lei. Diz-se lacuna da lei, já que o art. 171 do CTN já menciona a possibilidade da transação tributária desde sua publicação em 1966 e, principalmente, pela possibilidade de se encarar o crédito tributário de uma forma menos engessada, permitindo às Procuradorias maior margem de manobra para firmarem acordos que sejam efetivamente possíveis de serem cumpridos por parte das empresas em recuperação judicial.

Nesse contexto de transação tributária, tem-se, também, a possibilidade de utilização do instituto do negócio jurídico processual, que foi prestigiado pelo art. 190 do CPC, e regulamentado pela Portaria PGFN 742/2018, que possibilita às pastes convencionarem sobre questões processuais em sede de execução fiscal, para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS, ou seja, mais um avanço que em conjunto com as últimas inovações traz mais efetividade a todo esse processo de regularidade fiscal das empresas em recuperação judicial.

Após essas mudanças na legislação, o STJ, que havia afetado o tema para julgamento e suspendido as ações em curso que tratavam da questão, determinou a desafetação do Tema 987, determinando a continuidade do curso das execuções fiscais em face de empresas em recuperação judicial, não só pela ratificação trazida pelo §7º-B do art. 6º da lei 11.101/2005, mas principalmente pela concreta criação de meios para a empresa em recuperação judicial efetivar o parcelamento e o equacionamento do crédito tributário durante o curso do processo de recuperação judicial, possibilitando, assim, a exigência das certidões de regularidade fiscal juntos às Fazendas Públicas, sobretudo, como já dito, em razão da essência da lei de recuperação judicial que é o de trazer o soerguimento da atividade empresarial de maneira absoluta e sustentável, o que só se dará com o equacionamento de todo o passivo da recuperanda, incluído o tributpario.

A única ressalva que devemos fazer é quanto ao momento em que se deve exigir a regularidade fiscal da recuperanda, já que a dificuldade de implementar o parcelamento fiscal gira em torno da apresentação de inúmeras garantias e da existência de fluxo de caixa na empresa para iniciar o pagamento das primeiras parcelas que são obrigatórias para o efetivo implemento do acordo e posterior emissão das certidões de regularidade fiscal.

O art. 57 da LREF estabelece que as certidões deverão ser apresentadas após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55, o que quer dizer que o plano de recuperação e reestruturação financeira e de negócios ainda não foi efetivamente implementado neste ponto, fato que mostra que a empresa provavelmente ainda não viu efetivamente mudanças estruturais e financeiras que possibilitem a entrada de fluxo de caixa suficiente para o pagamento das primeiras parcelas do acordo de transação tributária.

Por todo contexto, vemos que após a desafetação do Tema 987 pelo STJ, pela alteração trazida pela lei 14.112/2020 em seu §7º-B do art. 6º, e pela regulamentação do parcelamento por meio da transação tributária – Portaria PGFN 9.917/2020, a tendência é de que a exigência da regularidade fiscal para o prosseguimento da recuperação judicial seja adotada de forma permanente a partir de agora.

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